sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

LATIM NA VIDA REAL - SERVE PRA ALGO?

Logo neste início de ano, uma divertida discussão em torno do latim nos boletins de ocorrência aconteceu na Folha de S.Paulo. Lá tem o articulista Hélio Schwartsman, que é fã de línguas antigas, mas não defende o ensino obrigatório do latim. Recuperei alguns textos para quem tiver curiosidade.

Primeiro, a notícia:

Novo delegado-geral de SP critica atuação da polícia e fala em melhorar atendimento

10/01/2011 - 18h54 da Folha.com
DE SÃO PAULO
O novo delegado-geral de Polícia Civil de São Paulo, Marcos Carneiro Lima, tomou posse no cargo nesta segunda-feira criticando a maneira como a instituição atende a população e investiga crimes. "É um absurdo ainda termos uma polícia do século 19 em pleno século 21", disse durante entrevista na sede da Secretaria da Segurança Pública.

Como prioridade em sua gestão, ele afirmou que quer melhorar o atendimento aos cidadãos que procuram uma delegacia. "Já ouvi reclamação de policial que precisou ir a uma delegacia registrar um boletim de ocorrência de um familiar e sofreu com o atendimento."

Conforme o delegado-geral, há uma "cultura cartorária" dentro da polícia que atrapalha as investigações. Ou seja, atualmente, vale muito mais o depoimento de uma testemunha dentro da delegacia do que um relatório de campo feito pelos investigadores, diz o policial.

Ex-diretor do Demacro (departamento da região metropolitana de SP), Carneiro Lima afirmou que vai emitir uma portaria que impede que termos em latim sejam usados nos boletins de ocorrência e memorandos internos da Polícia Civil. Na sua avaliação, os registros de ocorrências precisam ser claros e objetivos para, dessa forma, auxiliar no esclarecimento dos crimes. "O pior é quando escrevem em latim de maneira errada", reclamou.

NOVOS DIRETORES

Nos próximos dias, o delegado-geral deverá anunciar os novos diretores de postos chaves da polícia. Três cargos já foram confirmados por ele: Ana Paula Soares, será sua adjunta na delegacia-geral, Marco Campos assume a Academia da Polícia Civil e Marco Antonio Desgualdo permanece como diretor do DHPP (departamento de homicídios).

Conforme Carneiro Lima, alguns convites deverão ser feitos e ainda dependem da aprovação do secretário da Segurança Pública, Antonio Ferreira Pinto. "Em princípio não queremos mudar muito. Vou assumir e analisar a situação", declarou.

A Folha apurou que entre os possíveis novos diretores estão Youssef Abou Chain, para comandar o Demacro; Wagner Giudice, para o Denarc (departamento de narcóticos); Carlos José Pachoal de Toledo, para o Decap (capital), Eduardo Hallage para o Dipol (inteligência policial) e Massilon José Bernardes Filho, para o Deic (crime organizado).

http://www1.folha.uol.com.br/folha/pensata/helioschwartsman/ult510u355757.shtml

Depois, o artigo do Hélio:

A segunda morte do latim, HÉLIO SCHWARTSMAN

SÃO PAULO - Não bastasse os cientistas terem perpetrado o paradoxo de extinguir um animal extinto -em atenção às regras de batismo da paleontologia, o simpático brontossauro cedeu lugar ao mais rude apatossauro-, agora o novo delegado-geral de São Paulo, Marcos Carneiro, comete o desatino de matar uma língua morta ao proibir o latim nos boletins de ocorrência. "O tempora, o mores", diria Cícero.
Pode parecer piada, mas a morte de línguas é um problema real. Ninguém sabe ao certo quantos idiomas existem hoje no mundo. As estimativas vão de 4.000 a 10.000, mas 6.500 parece um bom palpite.
Tanta variação é possível porque as fronteiras entre língua, dialeto e falares regionais são tudo menos claras. A discussão tem muito de política. "Uma língua é um dialeto com um Exército e uma Marinha", como assevera o aforismo ídiche.
De todo modo, idiomas podem ser divididos em três grupos em relação a suas perspectivas de sobrevivência. São chamados de "moribundos" quando já não são aprendidos pelas crianças. De 20% a 50% estão nessa situação. Diz-se que estão "ameaçados" quando se encontram em vias de deixar de ser aprendidos por jovens. E são considerados "seguros" quando não se enquadram em nenhuma das categorias anteriores. Só 10% das línguas são robustas o bastante para se encaixar na última definição; 90% do total não chegarão ao ano 2100.
Além de delegados, o que mata um idioma é a urbanização e a lógica da utilidade. Se é mais ou menos fácil que populações isoladas permaneçam falando uma língua, a questão se complica nas cidades. No início, os filhos consideram o idioma dos pais, falado só pela família, inútil e o aprendem a contragosto. Os netos, contudo, já nem tentarão e, no espaço de duas ou três gerações, a língua perece.
Com ela, vão-se para sempre informações preciosas sobre o modo de vida e a visão de mundo de um povo. Fecha-se uma janela para a natureza humana, o que é triste.

http://matapurga.blogspot.com/2011/01/segunda-morte-do-latim-helio.html
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1201201103.htm

Finalmente, um artigo mais antigo do Hélio:

07/12/2000
Perdendo o latim
da Folha Online
"Cogitaveram hanc columnam in lingua Latina scribere", mas desisti temendo reduzir ainda mais o número de meus já parcos leitores. A idéia me ocorreu porque têm aparecido, aqui e ali, sugestões de reintroduzir o latim nos currículos escolares.
No domingo passado, em artigo na Folha, o imortal Arnaldo Niskier, ex-presidente da Academia Brasileira de Letras, falou de seu projeto para a lusofonia, que prevê a volta do ensino do latim nos sete países de língua portuguesa. Uma ressalva de bom senso traz a concessiva "mesmo que de forma não obrigatória". Antes dele o ministro da Cultura, Francisco Weffort, em entrevista ao "Estado de S. Paulo" defendeu o ensino obrigatório do latim e também do grego clássico como única forma de salvar o ensino e a cultura.
É possível que os leitores que eu ainda não espantei já tenham tido a oportunidade de verificar, em outras colunas, meu apreço pelas línguas mortas em geral e pelo grego e pelo latim em particular. Minha paixão por fósseis linguísticos, contudo, não me obnubilou a visão para o óbvio: a volta do latim nem falo do grego é uma idéia de jerico ("propositio asini").
Há uma primeira bateria de objeções de ordem prática. Imagino que a grande maioria dos antigos professores de latim já tenha morrido ou, numa visão mais otimista, se aposentado e esteja gozando dos prazeres da idade madura em companhia de Cícero ("De Senectute"). Onde então encontrar mestres em número suficiente para um contingente tão formidável de alunos? Nos mosteiros?
Mesmo que se considere latim o idioma outrora falado pelos padres o que não é tão evidente, desconfio que o Concílio Vaticano 2º tenha ferido de morte o latim litúrgico. Quem ainda tenha dúvidas poderia consultar o padre Marcelo. Se a distância de seu repertório musical em relação ao canto gregoriano pode ser extrapolada para o terreno linguístico... De resto, a mais importante conquista da educação nos dois últimos séculos foi a laicização do ensino, a devida separação entre Estado e igreja. Não convém agora voltar a misturar as coisas.
Outra solução seria incentivar "universidades" privadas a formar, a toque de caixa, uma legião de professores de latim em cursos rápidos de seis meses. Não há dúvida de que os números da educação superior melhorariam rapidamente.
Subjaz à proposta de Niskier e Weffort a idéia, a meu ver errônea, de que aprender latim ensina português. Tenho a impressão de que aprender latim apenas melhora e incrivelmente, acrescentaria a capacidade de saber latim. Talvez eu exagere. É claro que o conhecimento do latim pode ser útil para a compreensão do português. Na verdade, o conhecimento de qualquer idioma, aí incluídos o urdu e o berbere, favorece uma reflexão comparada das línguas, o que, por seu turno, tende a enriquecer a expressão do vernáculo. O latim teria, é evidente, a vantagem de trazer pistas genealógicas sobre alguns elementos morfológicos e sintáticos do português.
Mesmo assim é perfeitamente possível aprender, e bem, o português ignorando por completo o que seja a terceira declinação ou um ablativo absoluto. Aliás, não parece exagerado afirmar que o ensino do latim, como foi ministrado em seus estertores, apenas contribuía para infundir nos alunos um contraproducente pavor linguístico ("horror linguae"). Se já era problemático conseguir professores, mais difícil é obter bons professores, sobretudo com os salários da rede oficial.
Talvez eu me repita, mas conteúdos são apenas um elemento menor do esforço pedagógico. O que importa é primordialmente ensinar a pensar. É claro que o aluno deve sair do ciclo fundamental sendo capaz de ler, escrever e efetuar alguns cálculos rudimentares. Mas, olhando de perto, quase tudo o que se ensina nas escolas é, em termos rigorosos, errado ou simplificado até a distorção.
Mesmo um conceito considerado elementar como o de que é a Terra que gira em torno do Sol não faz muito sentido do ponto de vista da física relativística. A insistência dos pedagogos na prevalência do modelo copernicano sobre o ptolomaico é muito mais um discurso sobre a história da ciência e sobre a aventura do pensamento do que uma descrição da natureza, como normalmente pensam os alunos desavisados.
Não sugiro, é evidente, iniciar o estudo da física por concepções relativísticas ou quânticas. Como ferramenta pedagógica e a própria pedagogia é no fundo uma gazua do conhecimento, a mecânica clássica é mais adequada, porque não se afasta tanto das intuições.
Até concordo que um pouco mais de cultura greco-latina faria bem às pessoas de um modo geral. Se pudéssemos ensinar direito latim, grego, sânscrito e hitita, todos seriam muito bem-vindos. Na impossibilidade de fazê-lo, convém que nos centremos em disciplinas mais ligadas ao universo futuro provável do estudante, como o português e o inglês. Se os alunos assimilarem isso, depois poderão aprender com maior facilidade o grego, o latim e o suaíli, se for o caso. Assim como o latim pode ajudar no português, o português pode ajudar no latim.
Não adianta nada implementar a cada 40 anos uma nova reforma que vai "salvar" o ensino e a cultura, principalmente quando a modificação caminha no sentido oposto ao da anterior. Faz mais sentido tentar imprimir coerência interna ao modelo que aí está, uma vez que a importância dos conteúdos propriamente ditos é relativa.
Nas palavras de Horácio, "Caelum, non animum, mutant qui trans mare currunt" (Mudam de céu, não de alma, os que correm além do mar". Convenhamos que apor uma frase latina ao texto não faz tanta diferença assim.

http://www1.folha.uol.com.br/folha/pensata/helioschwartsman/ult510u355757.shtml

RETOMADA DO LATIM E DO GREGO NA INGLATERRA. E AQUI?

Este texto, traduzido por mim a patir do alerta do meu amigo William Salasar, me motivou a montar este blog e a tentar estimular a discussão sobre o ensino de cultura clássica - língua e literatura - na rede pública de nosso país.

AMIGOS, ROMANOS, ALUNOS
Financial Times
Por Harry Eyres
Publicado em 3 de dezembro de 2010

http://www.ft.com/cms/s/2/906272e6-fe60-11df-845b-00144feab49a.html#axzz1Am2zgI00

A única coisa remotamente clássica na Escola Primária Pégasus no distrito de Blackbird Leys, em Oxford, é o nome e o logotipo de um cavalo azul alado. O logo parece mais delicado do que o Pégasus da mitologia grega, surgido do sangue da górgona Medusa quando o herói Perseu a decapitou.

Esta não é a Oxford dos sonhos: a escola está localizada em um dos maiores condados da Europa, perto da antiga montadora Morris, em Cowley, onde agora são feitos os Minis. O motorista do meu táxi aponta para o pub Blackbird, conhecido pelas brigas, e um supermercado que foi invadido cinco vezes no último ano.

Essa escola primária, bem dirigida, em uma região difícil, está fazendo algo, culturalmente, contracorrente: está ensinando latim e grego sob o patrocínio do Projeto Íris, uma organização de voluntários que leva os clássicos para escolas públicas de áreas degradas. Como alguém que amava os clássicos na escola pública da década de 1970, quando o assunto já parecia ultrapassado e destinado ao esquecimento, considero isso é incrível e muito encorajador.

A diretora da Pégasus, Jill Hudson, está numa missão de corrigir as diferenças de oportunidade em uma cidade tão “dividida” quanto Oxford. “As crianças amam o latim. Elas estão interessadas em história – os romanos estiveram aqui, em Blackbird Leys – e se alguém está interessado em história, tem que saber latim. Não há nada de errado com a cabeça delas, elas são tão espertas quanto as crianças das melhores escolas primárias como a Dragon (em Oxford). Elas apenas, algumas vezes, não têm tanta confiança. Quero fazer nossas crianças acreditarem que têm a capacidade de realizar qualquer coisa.”

Acompanho uma aula de crianças de nove e dez anos tendo que lidar com os verbos em latim “ser” e “amar”. “Sum feliz!”, uma menina comemora. Dando aula, com paixão e energia, está Shivani Singhal, de 20 anos, estudante do terceiro ano de Clássicos na Christ Church. “As crianças têm muito entusiasmo, e o truque é canalizar isso. Eu vou acabar conquistando mais do que as crianças – o preparo que estou conseguindo é tremendo.”

O ressurgimento do ensino dos clássicos nas escolas públicas, onde o latim e o grego praticamente foram extintos, acontece apesar de obstáculos imensos. Uma filosofia de ensino crescentemente utilitarista nas últimas duas décadas colocou à margem o ensino de línguas no nível secundário. O requisito de freqüentar aulas de uma língua estrangeira foi eliminado em 2004, tornando a Grã Bretanha o único país da Europa onde estudar uma língua estrangeira na escola secundária não é obrigatório.

Na última década, o Ministério da Educação vem considerando a obrigatoriedade de escolas primárias ensinarem uma língua estrangeira. Mas a orientação atual é que a língua seja moderna, então, latim e grego não contam.

Mas nada disso deteve Lorna Robinson, 31 anos, ex-professora de clássicos no Wellington College, Berkshire, que fundou e é a diretora do Projeto Íris. “Eu recebi educação pública até os 11 anos, então fui para a Oundle School, que tinha um excelente Departamento de Clássicos. Sempre senti que poderia ter perdido essa oportunidade. Estudei Clássicos na Universidade de Oxford, então um PhD na UCL sobre o realismo mágico e as Metamorfoses de Ovídio, e depois dei aulas por um tempo no Wellington College. Gostei, mas eu queria fazer ainda mais diferença. Eu considero que o estudo dos clássicos é enriquecedor e compensador.”

O Projeto Íris teve início como uma revista sobre clássicos para escolas, então, Robinson teve a ideia de expandi-lo e ensinar a matéria em escolas públicas primárias. “Descobri que ensinar latim combinaria muito bem com as estratégias de formação literária nas escolas primárias.”

Robinson acredita que o latim ajuda com o vocabulário, no conhecimento das partes do discurso, sintaxe, ortografia e pontuação e permite aos falantes elaborar mensagens mais complexas. Oferece uma base para o estudo da língua – de qualquer língua – que os métodos de ensino de inglês em voga desde a década de 1970 não fornecem.

Quando ensinei inglês em Eton na década de 1980, constatei isso. Muitos alunos não tinham o conhecimento básico de gramática da própria língua. Nem todos sabiam a diferença entre um adjetivo e um advérbio.

Que o latim auxilia no aprendizado da língua é a ideia – nada revolucionária, mas poderosa – central na filosofia do Projeto Íris. Ela também está por trás de outras iniciativas de promoção do ensino dos clássicos, como o curso Minimus, de Barbara Bells, publicado pela Cambridge University Press. Voltado para crianças a partir dos sete anos, o Minimus ensina latim por meio da história de um rato que vive com uma família romana no forte Vindolanda, na Muralha de Adriano. Já foram vendidos mais de 115 mil livros.

A campanha para colocar o latim de volta no currículo está avançada. Em junho deste ano (2010), o instituto Politeia, com tendência de direita, publicou o Latin for Language Learners, unindo um grupo eclético de entusiastas do classicismo, incluindo o autor Colin Dexter (Inspector Morse), o dramaturgo Tom Stoppard e o Regius Professor de Oxford, o helenista Christopher Pelling. O objetivo é tentar fazer pressão para que a nova coalizão de governo ponha fim à discriminação contra os clássicos. E a organização de caridade Classics for All acaba de lançar uma campanha com o objetivo de levar o ensino dos clássicos para mil escolas públicas nos próximos 10 anos.

Mas mesmo que o ensino do latim possa ser retomado parcialmente nas escolas primárias, certamente o obstáculo ainda maior é que quando a educação realmente fica séria, no nível secundário, os alunos são encorajados a estudar matérias que trazem benefícios profissionais. Aqui, latim e grego são vistos como anacrônicos e irrelevantes.

Bem, não é necessariamente assim. A escola Sarah Bonnell, em Stratford, zona leste de Londres, é um Specialist Language College, com 1.200 alunos. Essa é uma área degradada de uma cidade rica, e outra escola pública que está revivendo o ensino do latim. Meu contato aqui é a professora de francês e de italiano Sinead Earley, que eu conheci em março no “Latin in London”, evento organizado no Citi Hall pelo prefeito de Londres e o classicista Boris Johnson. Earley me disse que ela tentatva convencer a direção da escola a permitir que ela ensinasse latim. Agora parece que conseguiu.

Para chegar à Sarah Bonnell desde a estação Stratford passa-se por um enorme shopping e áreas em construção para os Jogos Olímpicos de 2012. Não estou seguro do que vou encontrar. Certamente não tem uma grandiosa área de recepção, com jardinagem do estilo corporativo, nem tem beleza o estabelecimento, que foi um dos últimos beneficiados pelo programa Building Schools for the Future (Construindo Escolas para o Futuro), do governo anterior.

Mais importante do que novas edificações é a liderança carismática. Cauthar Tooley se descreve no website da escola como aluna-diretora: ela fala francês, farsi e árabe e é autodidata no latim. Tooley tem orgulho do status de “especialista em línguas” que a escola tem, o que permite o ensino de línguas em turmas pequenas e também que cada aluno vá para o exterior pelo menos uma vez numa viagem de estudos.

Numa escola em que mais de 70 línguas são faladas em casa, por que não acrescentar o latim? E latim, como destaca Tooley, é “uma língua que vai nos ensinar a respeito de muitas outras”.

Acompanho a aula de 16 meninas que estudam para o exame de qualificação WJEC – que equivale à metade do certificado do curso secundário – em língua latina e civilização romana. Elas estão totalmente engajadas em um exercício de compreensão e na discussão sobre o que a escravidão representou para o mundo romano. Quando pergunto o que as atrai nesse tema, uma delas responde: “É deliciosamente diferente de todo resto”. Depois eu converso com a lituana Jurga Zilinskiene, mãe de Silvia, uma das garotas da classe, que “aprova e apoia o ensino do latim, uma língua muito estruturada, saudável para as mentes jovens e que pode ser incrivelmente importante para o futuro estudo em áreas como direito e medicina”.

As garotas da Sarah Bonnell gostam do latim e vão bem na matéria, mas é difícil enxergar como vão mantê-lo depois, já que a escola não tem o pré-universitário (sixth form: http://en.wikipedia.org/wiki/Sixth_form_college) e poucas outras oferecem latim e grego.

À medida que conduzi esta pesquisa fiquei preocupado que a justificativa para reviver o estudo dos clássicos, essencialmente não utilitarista, tende a ser tratada em termos utilitaristas para impressionar os financistas que dirigem nosso sistema educacional. Não duvido que aprender latim e grego melhore as habilidades de leitura e compreensão de texto, mas argumentaria que estudar os clássicos pode trazer benefícios ainda maiores.

Os mundos romano e grego fascinam as crianças porque são tanto iguais como diferentes de nosso mundo. Eles são reais e também fantásticos. Ainda utilizamos estradas romanas e podemos ver vestígios como a Muralha de Adriano e os belos mosaicos do palácio romano Fishbourne. Um magnífico capacete romano de bronze com máscara foi descoberto em setembro num campo na Cumbria. O direito romano continua sendo a base para o direito civil na Europa continental, América do Sul e boa parte da Ásia e da África.

Não usamos (em geral) togas ou assistimos a batalhas de gladiadores, mas em nossos sonhos e fantasias podemos todos ser Teseu e Ariadne, Eneias ou Dido.

Sinto que alguma coisa maravilhosa pode estar começando a acontecer na era das trevas – a reinvenção dos clássicos não como um treinamento para uma elite de servidores públicos e administradores imperiais, mas como uma abertura maior (ou “a” maior) da mente humana e da imaginação para todos que podem ler e escrever. Acredito que esse seja o significado original de Literae Humaniores, o belo e antigo nome do estudo dos clássicos em Oxford. Os clássicos, como disse Boris Johnson no evento sobre latim em Londres, “liberam riquezas inenarráveis”, e podem estar prestes a decolar de novo.

Para John Keats, um garoto de Londres de origem modesta, entrar em contato com Homero o fez sentir “como alguém que contempla o céu quando um novo planeta se abre ao seu conhecimento”. Mais tarde, contemplando uma urna grega, ele compreendeu sua mensagem ulterior e sua recomendação, em meio a todo o sofrimento do mundo, como sendo: “beleza é verdade; verdade, beleza – isso é tudo o que sabemos na terra, e tudo o que precisamos saber.”

Dizer que o estudo dos clássicos oferece um caminho para a verdade e a beleza pode soar exageradamente idealista em um mundo voltado para o que é prático, mas os gregos e os romanos estavam mergulhados na vida prática tanto quanto nós estamos e ainda achavam tempo para se perguntar sobre o que é uma boa vida e uma boa sociedade, e para produzir literatura e arte que nunca foram sobrepujadas.

O Renascimento, o momento artístico e intelectual seminal nos últimos 1.000 anos no Ocidente, surgiu de uma redescoberta da filosofia clássica, história, poesia, arte e arquitetura. Estamos prontos para outra?

Projeto Íris: www.irismagazine.org
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